quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Obrigado

Aos vinte e três Senhores brasileiros que vieram ver este moribundo blog na semana passada.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Greve

Artigo 536.º / n.º 1 do Código do Trabalho:

A greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade.

Assim sendo, um reconhecimento pela coragem de todos aqueles que, para além de perderem um dia de salário, põem em causa o seu emprego junto das entidades patronais que olham de lado para os trabalhadores que reclamam e reivindicam pelos seus legítimos direitos.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

This is a Low

But it won't hurt you
When you are alone it will be there with you
Finding ways to stay solo

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Chuva

Chovi-me para fora de mim
e agora tudo são águas passadas
e as amarras tão delicadas
que me prendiam ao que um dia sonhei ser
escorreram para o ralo
e descansaram em paz.

Pequenos bebés voadores atirados de canhões de ar fazem as delícias dos tolos no circo.

Mas onde está o meu nariz de palhaço?

Eu nunca tive nariz de palhaço e o que me tentaram vender foi na corrente.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Quando Eu Morrer

Quando eu morrer
Eu não quero um funeral festivo
Quando eu morrer
Eu não quero que chorem sem motivo
Quando eu morrer
Eu não vou estar cá
Mas venho te ver
E vou falar-te bem baixinho
Para que nunca te esqueças da minha voz

Para que nunca te esqueças que num instante já houve um nós.

Promessas

Fica a promessa:

Se alguma vez uma música minha passar na rádio, faço uma tatuagem no antebraço esquerdo com a silhueta dos beatles.

Cfr. canto superior direito.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Viagem II

Entrou na sala.

A palidez despejada na cara da mãe de Madalena, como um farol nocturno guiando os barcos na escuridão baça do seu vestido negro, feria os olhos daqueles meninos.

A dita personagem ostentava, ainda, um xaile igualmente negro, ainda mais negro, muito trabalhado nas pontas.

A maioria dos meninos não reconheceram a mãe da Madalena de imediato.

A identidade do vulto foi sendo decifrada aos poucos, conforme as imagens surgiam desconexas naquelas imberbes cabeças, as imagens da mãe a deixar Madalena à porta da escola, do outro lado da rua.

E Madalena, como que carregando o peso do mundo em seus ombros, percorria os corredores até à sala dos meninos de oito anos, fixando invariavelmente seus olhos no chão - misto de areia do recreio e de pequenos fios de cotão.

- Posso falar-lhe? - disse sem sequer se apresentar ou apresentar uma saudação.

- Aqui? - inquiriu a medo a professora.

A mãe de Madalena levou levemente a mão direita ao nariz, esfregou a testa e tapou por instantes os seus olhos.

Quando voltou a abri-los já se encontrava a escassos centímetros da professora.

Aí, virando-se de costas para os meninos, e colocando a mão esquerda sobre a mesa da professora, agarrando-se ao tampo para não cair, inspirou fundo e, de um só fôlego, como se da última réstia de ar que os seus pulmões eram capazes de suster se tratasse, disse:

- O pai da Madalena morreu.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Foi Deus Que Quis

Foi Deus que quis que eu fosse teu.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Viagem I

Era a algazarra do costume na sala dos meninos de oito anos. 

Os aviões de papel pareciam ondular ao som da gritaria uniforme, da qual, por vezes, se conseguiam apanhar bocados de conversas inconsequentes:

"Dou-te cinco pelo brilhante" ou o típico, mas não menos verdadeiro, "(...) senão vou fazer queixa à professora."

E, no meio de toda aquela confusão, a dita professora estava tranquilamente sentada na sua secretária, a qual ocupava o centro do estrado junto ao quadro de lousa. 

Momentos antes, os meninos tinham entregue a composição sobre "a família" que a professora exigira de "trabalho para casa". 

Havia, pois, que corrigir aquele amontoado de incorrecções gramaticais, erros ortográficos e faltas de concordância verbal que, supõe-se, deixariam qualquer um de cabelos em pé e a amaldiçoar o dia em que escolheram tão nobre profissão.

Qualquer um à excepção daquela professora.

A verdade é que, fruto do tempo, e também por força das suas próprias características pessoais - impessoalidade, distanciamento e espírito metódico -, a professora conseguia corrigir, naquele ambiente de batalha campal, uma por uma, todas as composições dos meninos.

E fazia-o ali como o faria em qualquer outro local ou ambiente: na paz da sua casa e na companhia solitária do seu gato ou na confusão alienada do recreio - desde que à sua disposição se encontrasse uma escrivaninha e uma caneta vermelha, a professora tinha tudo o que precisava para levar a cabo a sua meritória tarefa.

Não é então de estranhar que nem ela nem os meninos se tivessem apercebido da entrada na sala daquele vulto negro, ainda soluçante e carregado.

Era a mãe de Madalena.

sábado, 24 de setembro de 2011

A Flor II

Se não cuidares bem dela
ela seca.

Seca como uma flor.

Em casa de ferreiro não se como com as mãos,
usa-se o espeto que é de pau.

E se o gepeto é mau, então come-se com os pés, que a flor murcha também é uma flor.

Só não atrai mais as abelhas.

Esta era fácil de adivinhar, mas difícil era prever o momento.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Estatística

Lá vai ela, bela e formosa, a confiar nas estatísticas:

sete mortos por um tufão
na caixa negra de um avião
o mundo de pernas para o ar outra vez
com oito erros de gramática no português

Pena confundir a moda com a média
Baralhar a aritmética com a métrica
Descurar no pormenor
E tocar em fá maior

Grandes Pensadores Sociais dão orientações, eu não.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

domingo, 11 de setembro de 2011

O Contador de Histórias - Fim

Num rasgo de lucidez impossível para uma criança tão pequena, o menino sentiu a história do contador de histórias como se fosse a sua própria história e não aguentou esse sentimento dentro do seu também pequeno peito.

As lágrimas escorriam-lhe pela cara sem que as sentisse cair.

Correu o mais que pôde para o avô e, já abraçado, com a cabeça tombada no seu ombro, inquiriu: "Nunca me vais abandonar, pois não?"

O avô não respondeu.


Limitou-se a abraçá-lo com um pouquinho mais de força e a deslizar a sua mão do pescoço até o cocuruto da cabeça, acariciando-lhe, assim, os cabelos.

Foi o suficiente - é sempre suficiente.

sábado, 10 de setembro de 2011

Paradox

No dia em que lhe disseram que parece não ter defeitos, apontaram-lhe vários.

A vida é um paradoxo.

Resta a sensação de dever cumprido / comprido.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Os Dados Estão Lançados

Os dados estão lançados
E a sorte está nos pontos
Quantos mais pontos mais assombros
E a luz está ao fundo.

Salta, pequenina, salta
Para eu te ver.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sentir Falta

A pergunta que trepa as paredes do seu corpo é:

Será que o mundo sente a minha falta?

sábado, 27 de agosto de 2011

Casa de Vidro

Well
Of course I'd like to sit around and chat.
But someone's listening in.

Não admira que a casa seja de vidro.

Vidro por fora e vidro por dentro
Escondendo em cada esquina o sentimento
E a sensação de vazio.

Às vezes é mais forte do que eu
E sei perfeitamente o que se está a passar (mesmo não querendo).

E é por isso que vivo numa casa de vidro
À espera que um dia possas entrar sem deitar a dita abaixo.

Ver-te Dançar

Faz-me querer ser outro que não eu.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Horas No Colégio

(ou a terceira razão pela qual Mike Days é um génio)

mas que valente seca, pai, que me fazes passar
estou há horas no colégio, que grande sacrilégio
podia ir a pé ou de autocarro
até moramos perto, mas eu sou pequenino e a mãe não deixa decerto

espero horas a fio que me venhas buscar
os meus amigos já voltaram e eu ainda por almoçar
a barriga já dá horas, estou cheio de fome
se me viesses buscar a horas já podia estar a brincar

o refeitório é caro e a mãe cozinha bem
almoçamos depressa, mas estamos juntos, é o que interessa
espero horas a fio que me venhas buscar
os meus amigos já voltaram e eu ainda por almoçar

finalmente vejo-te chegar, corro para o carro
dou-te um beijinho: olá pai
olá filho - dizes tu com carinho.

Por Mike Days



Montra de Loja

Eu pus-me à venda
E ninguém me comprou
Passaram saldos e descontos
E ainda ninguém me levou

Por aqui já passaram várias colecções
Passaram Invernos e Verões
E ainda ninguém me levou

É pena vocês manequins não terem poder de compra
Eu vestido fico de arromba
E ainda ninguém me levou

E é numa montra de loja que vou perdendo a cor.

(e ainda ninguém me levou)

Portanto

Mais vale calar.

(e o supremo egocentrismo de se gostar daquilo que se faz)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Os Teus Sinais

ele não vai olhar a meios
consegue sempre o que quer
e se o quer são devaneios
ou até sonhos alheios
ele não vai olhar a meios
para conseguir o que quer.


o que eu tinha de menos
tu tinhas de mais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde

o que tu tinhas de menos
eu tinha de mais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde


é tão fácil dizer que não me queres voltar a ver
mas já não é tão fácil pensar
que para isso vais ter de me enterrar
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo


eu não tinha medo
e só ouvia os teus ais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde

escolheste ser infeliz
sem explicações cabais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde


é tão fácil dizer que não me queres voltar a ver
mas já não é tão fácil pensar
que para isso vais ter de me enterrar
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo


ele não vai olhar a meios
consegue sempre o que quer
e se o quer são devaneios
ou até sonhos alheios
ele não vai olhar a meios
para conseguir o que quer.

domingo, 14 de agosto de 2011

Ana Caralhona

Há, sim, meu caro. Conheces o tipo de mulheres ossianescas, essas mulheres que só em sonhos se vêem? Pois bem, às vezes existem, sobre a terra, em carne e osso... e, então, são terríveis. A mulher é um tema inesgotável: por mais que a estudemos, encontramos sempre qualquer coisa de novo...

Nesse caso, é preferível não a estudar.

Isso não. Já não sei quem foi o matemático que disse que o prazer consistia em procurar a verdade e não a encontrar.

A Flor

para deixar alguém entrar
tenho de deixar sair
estranho é que não mora cá ninguém.

e quem no seu perfeito juízo
vai querer entrar
e ser esquecido por quem
só quis foi sair.

quem quis que neste peito não nascesse mais a flor.

eu dava-vos mais
se esse mais não fosse tudo o que eu sou agora.

disse-me ontem um conhecido
que já foi fiel amigo
que isto estava para mudar

quer arrendar um quarto
desde o breve parto
tem saudades de cá estar.

mas quem no seu perfeito juízo
vai querer entrar
e ser esquecido por quem
só quis foi sair.

quem quis que neste peito não nascesse mais a flor.

eu dava-vos mais
se esse mais não fosse tudo o que eu sou agora.




N.a.: 20/01/2007 - contracapa da separata de direito comercial da capa do 4.º ano.

sábado, 13 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Contador de Histórias - IX

O mar estava agitado e parecia reflectir o cinzento lamacento que ocupava o céu naquele dia. As ondas retumbavam violentamente contra as rochas e o vento uivava de acordo com o vaivém das marés. Sentia-se humidade no ar: aquela brisa molhada e salgada que por vezes nos toca a pele e nos deixa com saudades dos dias de calor e - também por isso - de felicidade.

O menino estranhou condições atmosféricas tão adversas como aquelas, tão distintas das que se faziam sentir no centro da cidade. A verdade é que o bafo denso e citadino e a frescura desconcertante da maresia estavam separados por apenas 25 minutos de caminhada.

Estes pensamentos percorreram a mente do menino por alguns momentos, muito poucos, quase como se fosse outra pessoa que não ele, mas dentro dele, a falar-lhe e reflectir em voz alta, ainda que só para ele, sobre o estado do tempo.

Quando recuperou o fôlego e se voltou a concentrar nas razões que o haviam levado até ali, o menino deu com o seu pai em cima do paredão que dividia a terra do mar, contemplando a imensidão de oceano a seus pés.

Quando se encontrava prestes a iniciar um movimento no sentido do paredão, o pai disse algo na direcção do menino que este não conseguiu decifrar e saltou para o vazio que, algumas dezenas de metros depois, terminava no oceano.

Saltou para nunca mais ser visto.

domingo, 7 de agosto de 2011

Canção da Ana

Ana,

Somos iguais.

Mas eu quero mudar o que vai por dentro e não por fora.

It Is What It Is

O que é difícil é permanecer à tona e não mergulhar na realidade. 

Todos os dias a luta é a mesma: acreditar que somos diferentes, que temos conversas diferentes, que temos amigos diferentes, que fazemos coisas diferentes, que somos pessoas diferentes e que as restantes pessoas notam essa diferença. 

É que a mediania é um lugar muito pouco confortável para se estar, porque plano, escondido e amorfo. 

Acreditar que somos únicos e diferentes, porque especiais, não é tarefa fácil e consome a maior parte das energias que uma pessoa normal é capaz de produzir.

Donde a constatação da realidade, que é como quem diz da mediania e da mera repetição, é, para as pessoas que queriam ser diferentes (ainda que por momentos ou em determinadas ocasiões ou matérias), especialmente dolorosa.  

Mas no final do dia it is what it is.

É uma questão de aceitar a realidade ou viver na ilusão. 

sábado, 6 de agosto de 2011

Contador de Histórias - Parte VIII

O pai permaneceu imóvel, tentando, sem sucesso, ancorar em sítio seguro a tormenta que trazia no peito. 

Quando voltou a ganhar consciência - que é o mesmo que dizer: quando voltou a colocar os pés naquele chão -, voltou-se para seu filho e, com um pequeno fio de voz, disse: desculpa.

O menino não ouviu, mas decifrou nos lábios de seu pai a mensagem, a qual, atendendo ao cenário então criado, lhe transmitiu um sentimento apaziguador e familiar

Pena é que tivesse sido por tão pouco tempo.

Quando se voltou novamente, o pai iniciou marcha porta fora, não olhando para nada nem para ninguém, andando obstinadamente pelas ruas, passando a avenida, passando a praça, recolhendo dos transeuntes olhares de "olha-me este doido".

Sozinho e sem entender o que se passava e o que se estava prestes a passar, o menino correu - esbaforido -  atrás do seu pai e, enquanto passou pela praça, a música que se ouvia do coreto captou, por instantes, a sua atenção. O som das bandas sempre o tinha fascinado.

À medida que se distanciava da praça, o fascínio perdia-se e a sua atenção concentrava-se em perseguir o seu pai. Na verdade, a certo ponto, já não pensava: deixava-se simplesmente levar por impulsos, daí ter estranhado quando sentiu o cheiro a maresia e areia nos sapatos.

O Relógio

meu coração como um relógio
deixou de bater
contou as horas e os minutos que levava
para te esquecer
e deixou de bater

agora quem vai querer usar
um relógio escangalhado
num pulso fino e requintado
um relógio velho e amarrotado
feito um coração escangalhado

meu coração como um relógio
de uma precisão de cristal
encontrou nos segundos um motivo
para despertar à hora habitual

e pensar que tudo isto seria normal
foi esquecer que o meu coração não é digital

agora quem vai querer usar
um relógio escangalhado
num pulso fino e requintado
um relógio velho e amarrotado
feito um coração escangalhado

relógio que não dá horas
coração que não aceita esmolas
dar corda para chegar a algum lado
e os ponteiros a apontar para o sítio errado

relógio escangalhado
só o meu relógio escangalhado.

Um Dois Três

um dois três
lá voltou a cair na esparrela
quatro cinco seis
sempre a carne da mesma vitela

um dois três
esqueceu o tempero na panela
quatro cinco seis
e voltou a cair na esparrela

se a armadilha é bem montada
ou se é tão ingénuo que não vê
pouco importa a fachada
e os conselhos que ouviu na tv

quem nos ouvir falar pensa que estamos doidos
mas a loucura não chega para me explicar tudo
e é o que fica sem resposta que vai ficando


talvez um dia chegue o dia em que tudo fará sentido 


mas nem sequer isso te toca.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Suricata

oh suricata
vigilante
perscrutante

meu coração
é uma cascata de sucata
cintilante
.


sexta-feira, 29 de julho de 2011

Meaning of Life

"Cada um que salvo é um degrau que subo fugindo do inferno."

Epístola de S. Pedro aos Crustáceos.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Coisas Engraçadas Mas Sem Piada Nenhuma

É engraçado quando pensamos que somos únicos e que o que vivemos é que conta e depois percebemos que tudo não passa de uma repetição, mas com diferentes personagens.

E não vale a pena escondê-lo, porque mais cedo ou mais tarde damos de cara com isso numa esquina dessa internet: os elogios são para os outros e, no fim do dia, nós precisamos igualmente deles como de pão para a boca - mas foram para os outros.


Fica no coração o que é de facto original.

sábado, 23 de julho de 2011

Bitch Please

Também há comparações sem como: são as metáforas.

Contador de Histórias - Parte VII

Ele já percebe o mundo. Ele vai perceber e não vai aguentar o sofrimento.

Ela não. Ela ainda não consegue ver para lá da sua casa de bonecas de trapos.

Levem-na. Mas por favor contem-lhe uma história.- soluçava o pai enquanto um dos homens levava a sua filha pelo braço.

Uma história? Claro que lhe contaremos uma história. - replicava o homem, olhando para o pai pelo ombro e ostentando um pequeno sorriso no canto da sua boca seca.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Todo o Meu Espaço (Letra Original)

Tenho de lavar o meu coração
Tirar o sarro negro a sabão
E tingi-lo de branco

E no entretanto
Confiar na sorte de um homem
Que nunca foi muito chegado ao azar.

Tudo o que ficou por dizer é tanto para calar
Mas se um dia te encontrar vai faltar a coragem para dizer
Portanto mais vale calar.

Ouvi-la falar é como se me visse ao espelho
Em cada queixa um devaneio
Coisas que deixámos na puberdade

Mas agora que é preciso falar verdade
Sem esconder o esqueleto do passado
Ela ocupa todo o meu espaço

E sem dar por ela
Ela acaba por ocupar todo o meu espaço
Todo o meu espaço.

Tudo o que ficou por dizer é tanto para calar
Mas se um dia te encontrar vai faltar a coragem para dizer
Portanto mais vale calar.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Not Even Jail (Letra Alternativa)

eu prometo pesar bem as coisas
tudo na sua devida medida
na balança que trago no peito

de um lado o amor
do outro lado o desprezo
na balança que trago no peito

insensível ao teu peso
permiável a falas mansas
na balança que trago no peito

e é tudo.

caminhas na tua direcção
para dentro da bolha
até veres de novo a razão
para teres feito essa escolha
e não há mais nada que possas dizer
em tua defesa.

o silêncio ganhar novas cores
quando o gritamos a plenos pulmões
e a consciência do mal que fazemos
costuma provocar convulsões
nos mais pequenos
mas só a quem não é de pedra
mas só a quem não é de pedra

eu assumo isso como um acto de guerra.

é o momento de que precisas para fazer valer a tua versão
enquanto te explico um pouco dos contornos do meu coração

podemos dar as mãos enquanto fazemos velhos amigos?


caminhas na tua direcção
para dentro da bolha
até veres de novo a razão
para teres feito essa escolha
e não há mais nada que possas dizer
em tua defesa.


Diz Me Se Aprovas (Letra Alternativa)


Foi a tua curiosidade que nos levou até aqui

Se não tivesses perguntado não terias ouvido a resposta

Foi assim que o mundo acabou; um passo maior que a perna:

Espreita por cima dos óculos se não quiseres tropeçar outra vez


É o que ela te mostra; e o que ela nos mostra

É só fachada e a sua entrada – bem fechada, a sua entrada

É bem gelada, a minha entrada – é a fachada, bem fechada


São teus receios: são só mensagens e as suas margens

Margens de dúvida e sua súplica: não queres mais, não tens de ter mais;

São perdas a mais, perdes demais.


Não posso esperar, mas vou esperando, vou respondendo e atestando

Mais uma mensagem e sua margem – são só receios sem os seus freios


Outra vez – outra vez.

sábado, 9 de julho de 2011

Contador de Histórias - Parte VI

Como poderia escolher um dos filhos? Deveria ligar à polícia? E se eles levassem mesmo os dois meninos?
Tantas eram as perguntas e nenhumas as respostas que a sua cabeça rodopiava como um carrossel - brilhante e imparável. O pai foi obrigado a sentar-se tal era a náusea que atravessava a sua cabeça (e espírito).
De olhos fechados e já focando um ponto imaginário na sua cabeça, estabilizou as suas emoções, condensando no peito o amor pelos seus meninos. De seguida, num movimento contínuo, suave mas grave, o pai dirigiu-se ao quarto – uma pequena divisão com uma única cama.
Os meninos dormiam profundamente, alheados do mundo e mergulhados no cansaço que carregaram todo o dia até à cama. Confrontado com aquela imagem, o pai teve um momento de paz.
A menina era pequenina e ainda conversava em si sonhos de princesas e de reis. Antes de adormecer, o irmão contava-lhe histórias de mundos que não existem nem nunca existiram, mundos em que, no final do dia, os cavaleiros derrotam os dragões e casam com as donzelas. Assim era a menina e, por muito fantasioso que possa parecer, a sua cara reflectia a ingenuidade pura de quem tem sonhos.
O menino era mais crescido do que os outros meninos da sua idade. A verdade é que desde cedo se sentiu responsável pela sua irmã, tratando-a, em certas situações, como sua própria filha. Não que essa tarefa lhe tenha sido intencionalmente delegada pelo pai, mas a própria natureza dos meninos – a doçura e ingenuidade da menina; a bondade e sagacidade do menino – originou esta (não tão peculiar) relação familiar.
Não evitou derramar lágrimas quando viu a menina aninhada no colo do irmão e este com o braço protector à volta do seu pescoço.

domingo, 3 de julho de 2011

Agradecimento Muito Especial

Gostava de agradecer à pessoa que foi dar ao blog através da seguinte pesquisa no google:

"quero comer o indieotta"

A você, querido leitor, o meu muito obrigado.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Contador de Histórias - Parte V

O pai estava deitado no sofá de sua casa, o único sofá da casa, agarrado à barriga, desesperando por adormecer, quando ouviu – ao longe – pancadas na porta.

Ainda naquele estado de semi-consciência, sem abrir os olhos, dando uso ao automatismo que se adquire com a vivência diária em determinado espaço (ou trajecto), o pai dirigiu-se à porta e, reconhecendo os interlocutores, convidou-os a entrar.

Eram dois senhores vestidos de preto.

Austeros e severos, utilizando um tom de voz rigoroso e uma cadência tranquila (embora empedernida), um dos homens limitou-se a dizer o seguinte:

Viemos cobrar a nossa dívida. Tem duas horas para escolher um dos seus filhos. O outro vem connosco. Caso decida falar com alguém sobre este nosso encontro, levamos os dois.

E, tal como vieram, partiram, sem acrescentar qualquer outra informação.

O pai conservava-se incrédulo, incapaz de assimilar o ultimato. Durante largos minutos, a sua mente quedou-se num vazio infinito de uma escuridão avassaladora, maior do que a sua própria pessoa. 

Depois, vieram - com a raiva dos furacões - as interrogações.

domingo, 26 de junho de 2011

Contador de Histórias - Parte IV

Era uma vez um pai que amava os seus dois filhos, o menino e a menina, como se desse amor dependesse o funcionamento de todas as coisas do universo.

Como os três viviam sozinhos no mundo, uma vez que a mãe morrera já há vários anos, tantos que os meninos nem lhe guardam a imagem, o pai conservava e concentrava em seus filhos todas as suas forças e vontades.

A partir da morte da mãe, a vida do pai passou a ser a educação dos seus meninos. 

Ao mesmo tempo que tentava esconder a miséria da vida, poupando-os aos sofrimentos de quem vive, o pai dedicava a sua vida a torná-los em tudo aquilo que ele, por uma razão ou por outra, não conseguiu ser: digno, honesto e merecedor de coisas boas.

O pai trabalhava muito - de dia, de noite, aos fins-de-semana, feriados, o pai não tirava férias de ser o pai que queria ser - e tudo quanto ganhava gastava na educação de seus filhos.

Mas os meninos cresceram e, de um dia para o outro, já não era preciso dinheiro para o infantário, passou a ser também para a escola e, no terceiro dia, para a música, para as línguas, para as artes…

O pai pensava que todas aquelas áreas se completavam e faziam parte de um todo complexo, sendo que, na ausência de alguma, a muralha que é a pessoa humana não teria outro destino senão a ruína, o ser incompleto e inacabado.

Acontece que o dinheiro que o pai ganhava começou a não ser suficiente, mas nunca lhe passou pela cabeça tirar os meninos de alguma daquelas actividades.

Então, na impossibilidade de se desdobrar em mais pais e sem soluções à vista, o pai começou a pedir dinheiro emprestado. 

E a quem? A quem não se deve pedir dinheiro emprestado: aos agiotas, aos cobarde que ganham a vida do infortúnio alheio.

De empréstimo em empréstimo, penhorando o seu futuro (e, para sua desgraça, o dos seus), o pai conseguiu levar a vida para a frente, empurrando-a com a barriga (que não tinha) e varrendo os problemas para debaixo do tapete (que também já havia sido vendido).

Mas, como em tudo na vida, o inevitável dia chegou.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

ERRATA

Afinal ensinou-me mais coisas:

- lutar até ao fim;

- fintá-la o mais possível.

Ficou por dizer - e por ouvir - um obrigado.

Um dia a gente encontra-se.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Acintosa

Ouve mais quem te ama
Ouve mais quem te faz a cama
Que é o mesmo que dizer
Ouve mais quem te ama.

Não sejas tão bichana
E ouve mais quem te ama
Com os pés de porcelana
Ouve mais quem te ama.

Ouve mais quem te ama
Sem que isso surja como um drama
Ouve menos o teu programa
E ouve mais quem te ama.

Ouve mais quem te ama
E não duvides do panorama
Ainda que seja por uma grama
Ouve mais quem te ama.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Queda

Sempre que cais alguém ganha.

E nunca vai mudar
só quando eu crescer
ninguém quer saber
o quanto dói crescer

E nunca ninguém vai olhar
quando eu cair no recreio
o baloiço não vai parar
só por ter esfolado o joelho

Os meninos vão voltar a correr
todos juntos no recreio
ninguém vai mudar
só porque eu tenho receio (de não voltar ao recreio)

A campainha toca
é o toque de entrada
e os meninos vão em fila
para a porta da sala

E ela diz-me: "tem de ser"
e nunca está errada
pudesse eu entender
o toque de entrada

Sempre que cais alguém ganha.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte III

A mesma história é assim contada todos os dias, repetidamente ao longo do dia.  

E tanto assim é que cada um dos transeuntes que passa pela praça conhece um pouco da história. Na verdade, e uma vez que passam, por regra, sempre à mesma hora, aqueles que utilizam a praça no seu dia-a-dia conhecem os mesmos pedaços da história.  

Nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de ouvir na íntegra a história que o contador de histórias conta  todos os dias, várias vezes por dia, sucessivamente.  

Hoje foi a excepção.

Um menino, de oito ou nove anos, dez no máximo, passeia-se pela praça, todos os dias, acompanhado pelo seu avô, homem grisalho e de olhar cansado, mas de uma ternura infindável quando pousado no seu neto.

Passada a escola e os respectivos trabalhos de casa, o menino corre para o colo do seu avó, que, as mais das vezes, se encontra a dormitar, com o jornal placidamente derrubado entre as suas pernas e as pernas da cadeira de baloiço, e, acordando-o com um safanão, suplica pelo passeio.

Também ele já conhecia o seu pedaço da história, mas a sua atenção não descansava por mais do que breves momentos no contador de histórias.

O menino sabia que a história falava de dois meninos, um rapaz e uma rapariga, e até aí os seus sentidos estavam com o contador de histórias, mas, quando a coisa começava  a complicar-se e a informação começava a jorrar descontroladamente (para um criança de oito ou dez anos), o canal quebrava-se.

Passavam-se demasiadas coisas, todas ao mesmo tempo, na praça. O carrossel, os graúdos a namorar, outros a jogar à bola, o jornal que caía dos braços do avó quando este adormecia e que, fruto do vento que por vezes se faz sentir na praça, teimava em fugir-lhe quando desesperadamente corria no seu encalço.  

Hoje foi diferente e, honestamente, não há grandes razões para tal.  

O contador de histórias estava, como sempre, no palanque, com a voz rouca, hirto e com as costas numa perfeita perpendicular em relação ao solo, olhando o vazio, indiferente a quem passa, a quem ouve e a quem deixa de ouvir.  

Talvez por isto mesmo, talvez por ter abarcado - de uma só vez - todos os elementos que compõem esta carticata cena, o menino não desviou o seu olhar e os seus ouvidos - nem por um instante - da história do contador de histórias e, num acto que muito bem poderíamos catalogar de de fé, ouviu a história do princípio ao fim.  

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte II

A praça já o conhece. Quando ele se atrasa, fruto das tais demoras imputáveis aos semáforos, a praça começa a ficar impaciente, dá pela sua falta.

O seu lugar não é central, mas fica situado num local que todos (ou quase todos) que aí passam têm obrigatoriamente de percorrer - isto se não quiserem calcar os trilhos de relva que embelezam e dão cor à praça.
  
O local é sempre o mesmo e ele, nos termpos que correm, nem é obrigado a fazer um grande esforço de memória para o identificar com precisão.

Na verdade,  por força da utilização diária de uma espécie palanque e do crescente  peso que exerce quando se empoleira no dito objecto, a terra, naquele preciso local, encontra-se um pouco aterrada, afundada, compacta, circunstância altamente distintiva no meio daquele caminho irregular e acidentado. 

O arbusto perto do caminho de terra serve para guardar a velha caixa de madeira, daquelas de carregar fruta, que ele utiliza como palanque.

Todos os dias, sem excepção, num gesto automático e de precisão cibernética, ele  recolhe o palanque dos arbustos, dispõe-no no local de sempre, sobe para cima do dito cujo e conta a história.

Sempre a mesma história.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte I

Ele não tem nome, porque aqueles que se dedicam a contar histórias não têm nome. Melhor, têm todos os nomes e nenhum nome. Têm os nomes dos homens e das mulheres cuja vida relatam nas suas histórias e, por isso, não têm nome.

Nunca ninguém quem saber a história do contador de histórias – o que interessa é aquilo que ele tem para contar e não aquilo que é ou foi. Aliás, se a sua história fosse assim tão interessante, o contador de histórias não o seria, seria antes um escritor ou, no máximo, um poeta.

Daí ele levantar-se todos os dias à mesma hora, no mesmo sítio. A cave do n.º 42 já não tinha segredos.

Não dorme bem nem mal, na medida em que, por um lado, a sua cama é sempre a mesma e, por outro lado, não se deita com a cabeça cheia. A história está aí, não é preciso inventar nada.

Mesmo sem luz, o que acontece amiúde, sobretudo no Inverno, por força do curto período de tempo em que a luz solar penetra pelas minúsculas janelas com grades, ele consegue vestir-se e encontrar o caminho de saída.

Por vezes, limita-se a seguir o cheiro a rua, que se distingue facilmente do bafio – com quem partilha a cave -, rumo à saída.

Invariavelmente, dia após dia, veste a mesma gabardine cinzenta e coçada, outrora bege, brilhante e de mulher.

Depois de comer o pão seco do dia anterior, tarefa essa extremamente penosa porque atentatória do bem-estar das suas gengivas, ele sai da cave à mesma hora, todo o santo dia, em direcção à praça.

No seu caminho para a praça poucos são os obstáculos que tem de ultrapassar. Em primeiro lugar, ele abandona a cave e sobe as escadas de aço que dão acesso à rua coberta de plátanos do prédio n.º 42; depois, vira à esquerda e continua pela rua de plátanos; no fim da rua, vira à esquerda pela avenida central; por fim, atravessa a rua e já está na praça.

Poderíamos afirmar, sem margem para dúvidas, o tempo exacto que demora a percorrer o caminho entre a sua cave e a praça, não fosse o facto de, pelo meio, ter de cruzar duas passadeiras com semáforos, circunstância que, dependendo da sorte, isto é, da cor ostentada pelos ditos aparelhos, faz alongar a jornada.

Um Dia

Também eu serei autor.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Às Vezes Somos Maiores Que Nós

When your sparkle evades your soul
I'll be at your side to console
When your standing on the window ledge
I'll talk you back, back from the edge

I will turn, I will turn your tide
Be your Shepherd, I swear I'll be your guide
When you're lost in the deep and darkest place around
May my words walk you home safe and sound

When you say that I'm no good and you feel like walking
I need to make sure you know it's just the prescription talking
When your feet decide to walk you on the wayward side
Climbing up upon the stairs and down the downward slide

I will turn, I will turn your tide
Do all that I can to heal you inside
I will be the angel on your shoulder


My name is Geraldine, I'm your social worker

I see you need me
I know you do

I will turn, I will turn your tide
Do all that I can to heal you inside
I will be the angel on your shoulder


My name is Geraldine, I'm your social worker

(Glasvegas - Geraldine)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Homem Almofada

O homem almofada veio visitar
mas não liguei nada
estava entretido a brincar.

Falou-me de uma dor que estava por vir
não acreditei porque ele estava sempre a sorrir.

E agora que já sou um porco verde florescente
chamo por ele a toda a hora
embora saiba que ele nunca me vai ouvir.

(Porque) Já não sou uma criança que brinca na beira da estrada
à espera que a mãe lhe diga que é coisa errada
de se fazer.

Dentro de ti é tudo escuro
mas há uma luz ao fundo
cá fora tudo brilha
mas ninguém quer tocar no assunto.

Amigos que juravam defender-me de capa e espada
agora não são nada
eu não quero saber o quanto me vai doer
mas eu quero voltar a nascer.

Não posso esperar que o homem almofada me venha salvar desta forma tão errada de viver.

Porque já não sou uma criança que brinca na beira da estrada
à espera que a mãe lhe diga que é coisa errada
de se fazer.

Eu quero voltar a sair do teu ventre, mamã.

sábado, 30 de abril de 2011

Falcão

Há muito tempo não sentia ele aquele medo de errar na pronúncia das palavras, como que a sua boca fosse um corpo autónomo que responde por si e sobre o qual não há possibilidade de controlo.

Conhecemos bem aquele medo, aquela ânsia de agradar ou - melhor - de não sermos desagradáveis aos olhos dos outros - especialmente daqueles a quem queremos impressionar.

Ele estava assim - com os olhos brilhantes e vivos de quem muito queria e pouco podia fazer.

Olhava-o a medo, temendo que a sua presença fosse - de certa forma - inconveniente.

Hoje, em sonhos, pediu um autógrafo a Radamel.

Obrigado pelos sonhos, meu querido.

sábado, 23 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte VI

Decidi procurar outro emprego. Sempre cozinhei para mim, talvez fosse mais fácil arranjar um emprego de cozinheiro. Não consegui. Não tinha experiência. A pouco e pouco percebi que não iria conseguir encontrar um emprego do qual gostasse. 

Mas afinal do que é que eu gosto? 

Eu não tenho hobbies, não tenho interesses em especial. Tudo o que fiz até hoje foi por necessidade ou por condicionalismo ligados ao meu avô. Gosto de cozinhar porque tive de cozinhar para mim. Gosto de ler porque precisava de passar o tempo até poder entrar na visita. Não sei fazer mais nada. E se fosse continuar os estudos? Mas eu não tenho dinheiro para isso. Posso sempre pedir emprestado… A quem? À mãe? À avó? 

As únicas pessoas que entraram na minha vida já dela saíram.
           
Passaram anos desde que o meu avô morreu. Continuo na velha casa fabril. Continuo à procura de emprego. Continuo a não ter ninguém na minha vida, a não ser a minha avó, mãe e avô.

Tenho saudades deles. 

Ultimamente tenho ido ler para o banco do jardim. Ontem peguei num pau velho e misturei umas pétalas de cores diferentes, espetei outro pau mais pequeno e soprei a vela do meu bolo de aniversário. Depois fechei os olhos e cerrei os dentes. Deitei-me na cama. 

Acabou. Tudo tem um fim.
           

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte V

Foi assim com a livraria, com a biblioteca municipal e escolar, com a editora, com o jornal. Acho que vou ter de mudar de ramo.

Já passaram uns meses desde que o meu avô morreu e ainda acordo de noite a pensar que tenho de me despachar para não chegar tarde à visita, para ele não estar tanto tempo sozinho. Já estou a lavar os dentes e só quando olho bem no espelho é que reparo que já passaram alguns meses e que, por isso, não tenho de me despachar. Às vezes, quando saio de casa para ir comprar qualquer coisa, se me meter no carro, dou por mim a seguir o mesmo caminho que seguia para o lar. Já lá fui dar três vezes sem saber como.

Ontem encontrei um conhecido do liceu, nunca foi muito meu amigo, no sentido de nunca nos termos dado de uma forma muito próxima, mas tínhamos amigos em comum. Falou-me do meu colega de carteira e de como as coisas corriam bem no seu emprego de arquitecto. 

Fiquei cheio de vontade de lhe falar, reviver aquelas histórias de miúdos, de como costumávamos apalpar as meninas ou de como atirávamos pastilhas elásticas aos carros dos professores. O conhecido deu-me o número do meu companheiro de carteira. Fiquei feliz por saber que ele se dava bem no emprego. Casou e teve filhos. 

Liguei-lhe. Atendeu-me o que me pareceu ser uma empregada, dizendo-me que o casal não estava, estavam a gozar as primeiras férias com as meninas. Que bom, meninas. O meu companheiro de carteira tem duas meninas. Se tiverem os olhos do pai, são duas meninas de olhos azuis, que bom.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte IV

A certa altura, vivia do seguro de vida de minha mãe e de parte da reforma do meu avô, já que a restante – e maior – parte se destinava ao pagamento do lar. Deixei a casa onde vivi com minha mãe, não tinha como pagar o empréstimo ao banco, e fui viver para casa dos meus avós, onde passei parte da infância. Uma casa antiga, num bairro fabril, na qual o quarto onde dormia era sempre alagado pela chuvas.

Fui coleccionando quase-amigos nos locais onde estudei, depois onde trabalhei, no próprio lar. Mas a verdade é que as pessoas evoluem na vida: ou porque se casam e vão viver para o outro lado da cidade; ou porque vão trabalhar para o estrangeiro; ou simplesmente porque eu próprio deixava de frequentar a escola, o trabalho, o lar… 

O meu avô arrastou-se assim quase 15 anos, arrastando tudo com ele. Coitado. Acredito que este seria, sem dúvida, um fardo ainda mais pesado de carregar.
  
Tenho muitos planos agora. 

Quero encontrar um trabalho que me diga algo, reencontrar velhos conhecidos, criar novas amizades, abrir os meus horizontes! Sinto um alívio tão grande agora. Sei que ele está finalmente sem dores, sem chagas. 

Começo agora a conseguir recordar-me do que ele era. Como nos dávamos bem! Ele levava-me a passear todos os dias, antes de eu ter de ir para a escola. Nunca fui ao infantário, para quê? Ele tomava conta de mim. Brincávamos, ríamos, jogávamos à bola. É assim que eu me quero recordar dele nesta nova vida.

Hoje de manhã acordei e apeteceu-me ir à praia, há quanto tempo não ia ver o mar. Em miúdo, passava férias com os meus avós na praia e era óptimo. Ao ver o mar lembro-me de quanto gosto dele. Não trouxe calções de banho, mas não resisti e fui tomar um banho de cuecas. Fiquei sentado na areia. Vim para casa e pelo caminho comprei o jornal.

Vou procurar um emprego que me realize. Ora aqui está: “Procura-se empregado para trabalhar numa livraria. Boa apresentação e com experiência. Remuneração compatível com a actividade.” Eu era capaz de trabalhar numa livraria. Fartei-me de ler livros nos bancos do jardim do lar. Eu gosto de literatura, sou afável, tenho boa apresentação. Acho que estou mesmo numa maré de sorte. Fui à entrevista. Exigiam pelo menos cinco anos de experiência no mesmo ramo ou emprego. Quando lhes disse que nunca tinha trabalhado mais do que uma semana agradeceram a minha disponibilidade. 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte III

Quando o meu avô adoeceu éramos três a fazer visitas: eu, minha mãe e minha avó.

Minha avó era uma pessoa saudável, dona de casa, dedicada ao marido. Com o passar dos anos foi perdendo peso, acumulando cansaço e não resistiu. Perdeu a esperança. A doença começava a matar os entes saudáveis. A morte de minha avó foi um duro golpe para minha mãe. Davam apoio uma à outra, ajudavam-se e ajudavam o meu avô enquanto me criavam. Com a ausência de minha avó, minha mãe tinha de trabalhar para nos sustentar, criar um filho e aguentar toda a pressão do lar.

Engraçado como a frase anterior - quando descontextualizada - poderia ser entendida num sentido completamente diverso. É que - aqui -  lar não é um conceito bom por natureza, não é algo que relacionamos com a nossa casa, com a nossa família, com os nossos e com aquilo que é nosso. Bem antes pelo contrário.

As cenas no lar repetiam-se. (Minha mãe) Tinha de acompanhá-lo à fisioterapia. Tinha de ir às reuniões de pais. Não podia chegar tarde ao emprego. Entrou em depressão e não conseguiu sair de lá. Mais uns anos passaram e eu - com vinte e alguns - vi-me sozinho. Problemas cardíacos.

Dediquei-me ao meu avô.

Ele percebia o que se passava, via-se em seus olhos. As visitas, dantes repartidas por três, agora eram exclusivamente feitas por mim.

Tentei arranjar emprego, mas nada era compatível com o horário do meu avô. Havia sempre uma ida de ambulância para o hospital com falta de ar ou então um tratamento novo que podia aliviar as dores ou ainda um médico que tinha bons resultados na terapia da fala…

Começava a dar valor à minha mãe. Pena não o ter feito em sua vida.
          

terça-feira, 19 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte II

Entro e chego à recepção. Todos me conhecem, todos me viram crescer, portanto não me perguntam nada. Não me pedem identificação. Deve ser usual, tendo alguém falecido, que os familiares se venham despedir do sítio que marcou as suas vidas. Eu não era a excepção.

Reconhecia cada cara. Mas algo estava diferente. As enfermeiras e ajudantes que tomavam conta dos doentes não vinham falar comigo. Os sorrisos e as palavras são normais aqui. Conhece-se gente fora de série nestes ambientes, gente que está disponível para ajudar para lá daquilo que lhes é exigível. Gente que respeita o sofrimento alheio. Mas também se conhece gente asquerosa, desprezível, gente que mercantiliza o sofrimento. Os sorrisos são normais aqui, mas demora algum tempo a perceber quais os sorrisos que são realmente valiosos.

Enquanto minha mãe foi viva vi muitas destas cenas: pessoas que julgávamos amigas apenas elogiavam o seu cachecol, repetidamente, simplesmente porque o queriam. E depois o relógio. E depois os sapatos.

Minha mãe oferecia todas estas coisas às pessoas que tratavam do meu avô, pensando que, com este tipo de agrados, de prendinhas, ele seria mais bem tratado. Faz-se de tudo e nem se pensa duas vezes.

Uma vez dêmos com uma destas pessoas a insultar um pobre homem que não falava, mal se mexia, condenado a viver de olhos abertos, aprisionado no seu corpo: “Estás a fazer-te pesado só para me chatear, não é?! Tu é que perdes! Hoje não te troco os pensos, nem te lavo, nem nada! Tu sempre foste um porcalhão, não é?”.

Trocar os pensos significa limpar e desinfectar as chagas que os acamados ganham nas costas por força de se encontrarem sempre na mesma posição: acamados. Corremos para o quarto porque os gritos se ouviam nos corredores. O meu avô estava a chorar sem som. Sem se mexer ou esboçar um movimento, as lágrimas escorriam pela sua cara. Ficámos tão transtornados que nem reparámos na fuga da senhora da nossa confiança, vestida dos pés à cabeça com roupas de minha mãe.

Entrei um pouco nos corredores labirínticos do edifício. Não havia problema, não me iria perder. Bastava orientar-me pelos gritos característicos dos doentes de sempre.

Havia um senhor, dois corredores abaixo do quarto do meu avô, que sempre que tinha fome dava um grito tão estridente que fazia ressoar as vidraças. Outro que quando queria chamar a empregada para o levar a casa de banho dava socos nas grades de ferro da sua cama, as quais, por sua vez, batiam na estrutura da cama, também de ferro, causando um barulho tremendo - tudo isto apesar de, a seu lado, na mesa-de-cabeceira, se encontrar um comando com um botão exactamente para esta finalidade.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Novo Tipo Legal de Amor

podes fazer de conta que nada se passou
podes querer acreditar que um de nós te usou


mas não vais ter forças para inventar um novo tipo legal de amor

podes desconfiar de mim para ganhar certeza
podes deixar-me comer sozinho à mesa


mas não vais ter forças para inventar um novo tipo legal de amor

podes tratar-me por você
que eu vou sempre ter-te como tu


mas não vais ter forças para inventar um novo tipo legal de amor

uma nova forma de amar

não vais enterrar a saudade
não vais enganar a saudade
não vais esconder a saudade
não vais fugir da saudade


e não vais ter forças para inventar um novo tipo legal de amor

Inveja

Olha para ti primeiro, agora estás pronto para me julgar
Se é assim tão fácil porque não tomas o meu lugar?
É tudo tão simples, tudo tão natural, parece fácil, até vem numa bandeja
Isso é tudo sabedoria ou é inveja?

Só erra quem cá está
Quem não está só julga

Olha para ti primeiro, agora já te quero ouvir
Se é tudo tão fácil porque é que eu nunca te vi a decidir?
Toma uma posição, escreve um poema ou espera pela bandeja
Isso é tudo sabedoria ou é inveja?

Só erra quem cá está
Quem não está só julga.

É a inveja, eu consigo vê-la a crescer em ti
Atrás dos teus olhos mora a inveja.

Casa Sem Tecto

eu quis construir uma casa
e esqueci-me do tecto
depois morar nela
mas não trouxe o afecto;

deixei-me estar numa nuvem
mas estas são feitas de algodão
quis segurar a tua dor por ti
porque não via o furo na minha mão;

eu sei que a tua dor
nao pode ser maior que nós

eu quis dar-te uma prenda inesquecivel
mas não tinha dinheiro
depois percebi que o querias
não está no meu mealheiro;

depois voltei a casa
e a comida estava fria
podemos não ter massa
mas isso não compra alergia;

eu sei que a tua dor
nao pode ser maior que nós
mas é maior do que eu
e isso mata-me
por não saber como lidar
porque não te posso dar
tudo aquilo que desejas.

Tratado Sobre o Fim - Parte I

Acabou.

Ele morreu. Tudo tem um fim.

O alívio apodera-se do meu corpo, percorre tudo o que há em mim.

Mas eu tinha de lá ir uma última vez, tentar enterrar aquele lugar e tudo o que me fez passar. Conheço cada canto, cada banco, sei onde e a que horas faz sombra no jardim.

Cheguei. Respiro fundo antes de sair do carro: é a última vez que aqui venho, prometo a mim mesmo. Ao longe já sinto aquela sensação de desespero, de tempo perdido, o cheiro a resignação. Mas em mim cresce agora outra coisa – nova.

Antes de entrar no edifício passo pelo jardim - murado e com grades brancas ao alto, as quais se assemelham a setas espetadas no chão. O jardim é um grande quadrado rasgado por um caminho em terra em forma de cruz, dividindo assim o grande quadrado em quatro quadradinhos. Em cada um deles há um canteiro - disposto em losango - com flores. Conheço-as a todas e todas elas me conhecem.

Sempre fui infantil. Lembro-me, à medida que passo, dos jogos que fazia no jardim: ou à espera da hora da visita ou a fazer um intervalo dela.

Sentava-me nos bancos em frente aos canteiros e escolhia uma pétala de uma flor: primeiro, uma cor forte – azul; depois, uma cor fraca – vermelho; misturava com um pouco de terra e umas folhas secas; mexia com um pau velho. Eu acreditava realmente (desconfiando da bondade de tal acção e simultaneamente querendo muito acreditar) que aquilo era a poção que o libertaria. E ali ficava uns minutos, calado, a fazer figas com toda a matéria com a qual é possível fazer figas, cerrando os dentes, de olhos fechados.

Percorria calmamente, com medo, os corredores para chegar ao seu quarto. Tinha medo da - aos olhos de hoje - idiotice mais uma vez não resultar. Tinha medo que algo acontecesse e que assim  me tivesse tornado numa espécie de bruxo. Claro que nunca nada aconteceu. Foi nestes bancos que escrevi o meu primeiro poema.

Oh morte não venhas cedo que eu não quero morrer. Oh morte não venhas tarde que eu não quero sofrer.

Lembro-me de como tinha ficado bonito. Algumas letras saíram alaranjadas, uma vez que escrevi na terra com o tal pau velho das poções que ainda conservara algum do preparado na ponta.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Chegamos ao Fim da Canção II

Meus queridos,

Escrevo estas linhas pouco tempo depois de mais uma vitória (histórica) do Futebol Clube do Porto.

Obrigado.

(Há quem diga recorrentemente não compreender o fenómeno, as paixões que suscita, os comportamentos associados, comentário esse que, em boa verdade, nada tem de novo. Mas, como em certas coisas na vida, não tem de haver explicação para tudo. Não peço que compreendam, tal não vos é exigível.

Reconheço não ser igualmente capaz de perceber o prazer (quase tântrico) que certas pessoas retiram ao comer, por exemplo, queijo ou chocolate, ou ainda ao comprar um determinado par de sapatos ou camisas. Uns - com aquela sobranceria tipicamente laica - chamam-lhe religião, outros - com aquela sobranceria tipicamente intelectualóide - boçalidade, eu chamo-lhe simplesmente amor.)

Há cerca de quatro meses iniciei este registo de coisas mundanas sabendo perfeitamente que havia cedido à tentação de achar que tinha alguma coisa para dizer e que o mundo devia ler o que penso / escrevo.

Caí, portanto, naquilo que criticava em muitos: deixar o ego falar mais alto e entorpecer a realidade das coisas (e o seu valor); julgar ter direito a escrever e a ser lido indepentemente da qualidade da escrita e da correspondente leitura.

Sucede, porém, que hoje - e de uma forma tão natural e simples que quase me envergonhou - me lembrei disso mesmo.

Voltarei quando tiver alguma coisa realmente importante a dizer e que valha a pena ser lida.

E paro um pouco para dormir.

Do sempre vosso,

Indieotta

domingo, 3 de abril de 2011

E é Isto

O que me está destinado (e que nunca mudará) é intercalado, por breves momentos, com outros estados.

Não há volta a dar.

terça-feira, 29 de março de 2011

Suavizar Uma Realidade Cruel (Assim Me Ensinaram na Escola)

Só agora é que me apercebi que mulher com personalidade é um eufemismo para mulher chatinha como o caraças.

True story.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A Melhor Canção Feita Na Nossa Língua - III

Feromona - Canção para Nós






O seu sorriso é de papel vegetal
Pontas dos lábios apagados, fechados
As lágrimas nascem de medos passados
E às vezes brotam de uma fonte natural

Mas (Porque) algum dia isto vai correr bem
Há sempre um dia em que o mundo é melhor
Sabes que um dia a gente pode bem
Inventar histórias sem dor
E rir das coisas sem querer

A sua saia tem o papel principal
No filme que eu sonho acordado, vidrado
Nas coisas boas sem mentira ou pecado
Em honra e glória da virtude natural

Mas (Porque) algum dia isto vai correr bem
Há sempre um dia em que o mundo é melhor
Sabes que um dia a gente pode bem
Inventar histórias sem dor
E rir das coisas sem querer

Tudo Não Passou De Uma Frase Sem Sentido

Mergulhado em mim durante algumas horas, navegando à vista num mar de preconceitos (que ainda não desfez), cheguei à conclusão que era bem mais fácil colocar uma placa no meu peito com os seguintes dizeres:

Beware of the Dog 

Provavelmente não repararia na subtileza ostensiva - quase irónica - da tabuleta.

domingo, 27 de março de 2011

Gabinete de Apoio à Vida

A vida devia ter uma espécie de gabinete de informações ou de apoio.

As horas intermináveis que perderíamos nas filas de espera serviriam, com certeza, para aclarar as ideias.

Momentos de reflexão forçados, maravilha.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Golpe de Teatro (único post partidário que farei)

Meus queridos Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda,

Vós sabeis o quanto vos estimo, mais o primeiro do que o segundo, mas a única coisa que se me ocorre perguntar-vos é o seguinte:

Vós preferíeis quem a aplicar as medidas do PEC IV (gosto desta denominação, faz-me lembrar coisas que me são queridas e familiares, como por exemplo ROCKY III ou RAMBO II):

(i) Um partido miserável

ou

(ii) Um partido miserável que, quando puder, acaba com a partícula Social do conceito Estado Social

?

terça-feira, 22 de março de 2011

Alguém Normal

Dá-se bem com dissimulações porque toda a sua vida foi um grande fachada.

Sente como se a sua existência tivesse como pano de fundo, sempre no fundo, calada mas presente, essa mentira constante e amarga, criada exactamente por aqueles que, em abstracto, mais o deveriam defender do que mais feio há neste mundo.

E é por isso que ele não tem referências, não admira alguém ao ponto de querer ser como essa pessoa.

Correcção: ele tem à sua frente aquilo no qual não se quer tornar e isso é uma referência (negativa?).

Nem seu avô, cuja honestidade e seriedade inveja, admira, porque sabe que o contexto no qual surgiram essas qualidades era o de submissão e resignação - totalmente justificado (ou, melhor, contextualizado) com recurso à simples expressão "outros tempos".

E vai assim vivendo, sem referências, construindo-se ao sabor daquilo que, à vista, acha justo e injusto, correcto e incorrecto.

Nessa medida, nunca foi - e certamente nunca o será - uma pessoa normal.

sábado, 19 de março de 2011

Os Dias Não Têm Significado Próprio

Não são, como bem se vê, organismos vivos e pensantes.

Nós é que damos significado aos dias e, como não damos, como nunca demos, os dias não têm qualquer significado.

Vai morrer a saber isso e eu não sei o que fazer, nunca soube, para mudar isso.

E o pior é que agora já não sei se o quero fazer - e isto é o que mais custa.

A distância que nos separa é tanta que não há pontes que resistam.

Cacos

Eu roubo os dela e ela cola os meus.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Certezas

É relativamente bom ter certezas.

Desde logo, em relação às incertezas.

Tipo (palavra que adoro): é bom saber que alguém atende do outro lado, mesmo quando não somos atraentes, porque aborrecidos.

Revoltam-se Nas Nossas Cabeças Como Sismos Japoneses

Os traumas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Puto(a) de Ideia

eu perguntei ao meu sonho
se vale a pena lutar por ele
ao que ele me respondeu:

não faço puto de ideia de quem tu és

Melhores Canções na Nossa Língua - Parte II

De (um absolutamente fantástico) Bernardo Barata.

http://ia600200.us.archive.org/11/items/ninguem_da_por_nada_bernardo_barata/ninguemdapornada_bernardobarata.mp3


Quando saía do comboio
Ouvi alguém dizer
Que quem sabe, sabe
E quem não sabe aprende

E então pensava em ti e no quanto não vais aprender nunca
E ninguém dá por nada
Mas a mim já não me enganas

Arrasto-me por aqui há tempo de mais
Eu não me quero matar
E o desafio é só o engano
E agora vou à minha vida

Não te perdoo

A surpresa já passou e a decepção ainda nem veio
Estou gasto, velho e triste.

segunda-feira, 14 de março de 2011

7:00

Quando chego a casa e o sol já nasceu quer dizer uma de duas coisas:

1. Estou a chegar do escritório - o que, por sua vez, me faz lembrar o dinheiro que ganho;

2. Estou a chegar do tendinha - o que, por sua banda, me faz esquecer o dinheiro que ganho.

E é por isso que, às tantas, não tenho legitimidade.

Valeu a Pena Fazer Parte de 60.000

Só para ter visto um cartaz a dizer isto:

Parem de Viver Acima das Nossas Possibilidades.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pagando Mico

Cada vez mais me convenço que sou uma pessoa fácil, facilzinha, facílima.

E dou por mim a pensar que essa circunstâcia me faz passar, as mais das vezes, por otário.

E o problema é não saber o que é pior: se passar por otário ou se acreditar que vou ter uma qualquer recompensa posterior por passar (as vezes que passo) por otário.

Por exemplo, será que alguma vez me verá como eu sou?

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Teu Ventre

Eu sei que é absurdo, mas foi a vida que nos fez chegar até aqui. Quem me dera poder voltar aos tempos em que compreendia o que dizias, em que a tua voz era mais do que uma repetição de ecos, em que tu cantavas e eu adormecia com a cabeça pousada nos teus braços.

Sinto falta disso, desse calor, desse estado de completude (que sei, embora disfarce sentindo apenas temor, nunca mais ser possível voltar a sentir).

Agora tu falas e eu já não te oiço, não obstante sentir o som a sair da tua boca, sentir essa aragem que já não me diz absolutamente nada.

Eu sei que continuas a viver para (por) mim, mas isso agora já não faz qualquer sentido, porque, se algum dia o fez, nós o estragámos com as nossas intransigências e com as nossas piedosas e incoerentes súplicas por carinho.

No fundo, o que eu te queria dizer era: quero voltar para o teu ventre, mamã.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Antes e Depois

eu sei que eu não chego
mas quem és tu para exigir mais?
pudesse eu ser quem tu queres
já nos consideravas normais?

eu sei que eu não chego
nem metade te dou
mas a metade que fica
agora é tudo o que eu sou

agora que a minha vida já tem um antes e um depois
agora que eu posso me sentar a vê-la passar
se a culpa de eu ser assim é de alguém é de nós os dois
e do tempo em que não havia um antes, só depois

eu sei que eu não chego
mas quem és tu para exigir mais?
para querer mais há que dar mais
mas cá para nós, nós aqui somos iguais

eu sei que eu não chego
nem metade te dou
mas a metade que levas
é a melhor metade que alguém já me levou

agora que a minha vida já tem um antes e um depois
agora que eu posso me sentar a vê-la passar
se a culpa de eu ser assim é de alguém é de nós os dois
e do tempo em que não havia um antes, só depois