quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Viagem I

Era a algazarra do costume na sala dos meninos de oito anos. 

Os aviões de papel pareciam ondular ao som da gritaria uniforme, da qual, por vezes, se conseguiam apanhar bocados de conversas inconsequentes:

"Dou-te cinco pelo brilhante" ou o típico, mas não menos verdadeiro, "(...) senão vou fazer queixa à professora."

E, no meio de toda aquela confusão, a dita professora estava tranquilamente sentada na sua secretária, a qual ocupava o centro do estrado junto ao quadro de lousa. 

Momentos antes, os meninos tinham entregue a composição sobre "a família" que a professora exigira de "trabalho para casa". 

Havia, pois, que corrigir aquele amontoado de incorrecções gramaticais, erros ortográficos e faltas de concordância verbal que, supõe-se, deixariam qualquer um de cabelos em pé e a amaldiçoar o dia em que escolheram tão nobre profissão.

Qualquer um à excepção daquela professora.

A verdade é que, fruto do tempo, e também por força das suas próprias características pessoais - impessoalidade, distanciamento e espírito metódico -, a professora conseguia corrigir, naquele ambiente de batalha campal, uma por uma, todas as composições dos meninos.

E fazia-o ali como o faria em qualquer outro local ou ambiente: na paz da sua casa e na companhia solitária do seu gato ou na confusão alienada do recreio - desde que à sua disposição se encontrasse uma escrivaninha e uma caneta vermelha, a professora tinha tudo o que precisava para levar a cabo a sua meritória tarefa.

Não é então de estranhar que nem ela nem os meninos se tivessem apercebido da entrada na sala daquele vulto negro, ainda soluçante e carregado.

Era a mãe de Madalena.

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