sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Chuva

Chovi-me para fora de mim
e agora tudo são águas passadas
e as amarras tão delicadas
que me prendiam ao que um dia sonhei ser
escorreram para o ralo
e descansaram em paz.

Pequenos bebés voadores atirados de canhões de ar fazem as delícias dos tolos no circo.

Mas onde está o meu nariz de palhaço?

Eu nunca tive nariz de palhaço e o que me tentaram vender foi na corrente.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Quando Eu Morrer

Quando eu morrer
Eu não quero um funeral festivo
Quando eu morrer
Eu não quero que chorem sem motivo
Quando eu morrer
Eu não vou estar cá
Mas venho te ver
E vou falar-te bem baixinho
Para que nunca te esqueças da minha voz

Para que nunca te esqueças que num instante já houve um nós.

Promessas

Fica a promessa:

Se alguma vez uma música minha passar na rádio, faço uma tatuagem no antebraço esquerdo com a silhueta dos beatles.

Cfr. canto superior direito.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A Viagem II

Entrou na sala.

A palidez despejada na cara da mãe de Madalena, como um farol nocturno guiando os barcos na escuridão baça do seu vestido negro, feria os olhos daqueles meninos.

A dita personagem ostentava, ainda, um xaile igualmente negro, ainda mais negro, muito trabalhado nas pontas.

A maioria dos meninos não reconheceram a mãe da Madalena de imediato.

A identidade do vulto foi sendo decifrada aos poucos, conforme as imagens surgiam desconexas naquelas imberbes cabeças, as imagens da mãe a deixar Madalena à porta da escola, do outro lado da rua.

E Madalena, como que carregando o peso do mundo em seus ombros, percorria os corredores até à sala dos meninos de oito anos, fixando invariavelmente seus olhos no chão - misto de areia do recreio e de pequenos fios de cotão.

- Posso falar-lhe? - disse sem sequer se apresentar ou apresentar uma saudação.

- Aqui? - inquiriu a medo a professora.

A mãe de Madalena levou levemente a mão direita ao nariz, esfregou a testa e tapou por instantes os seus olhos.

Quando voltou a abri-los já se encontrava a escassos centímetros da professora.

Aí, virando-se de costas para os meninos, e colocando a mão esquerda sobre a mesa da professora, agarrando-se ao tampo para não cair, inspirou fundo e, de um só fôlego, como se da última réstia de ar que os seus pulmões eram capazes de suster se tratasse, disse:

- O pai da Madalena morreu.