A mesma história é assim contada todos os dias, repetidamente ao longo do dia.
E tanto assim é que cada um dos transeuntes que passa pela praça conhece um pouco da história. Na verdade, e uma vez que passam, por regra, sempre à mesma hora, aqueles que utilizam a praça no seu dia-a-dia conhecem os mesmos pedaços da história.
Nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de ouvir na íntegra a história que o contador de histórias conta todos os dias, várias vezes por dia, sucessivamente.
Hoje foi a excepção.
Um menino, de oito ou nove anos, dez no máximo, passeia-se pela praça, todos os dias, acompanhado pelo seu avô, homem grisalho e de olhar cansado, mas de uma ternura infindável quando pousado no seu neto.
Passada a escola e os respectivos trabalhos de casa, o menino corre para o colo do seu avó, que, as mais das vezes, se encontra a dormitar, com o jornal placidamente derrubado entre as suas pernas e as pernas da cadeira de baloiço, e, acordando-o com um safanão, suplica pelo passeio.
Também ele já conhecia o seu pedaço da história, mas a sua atenção não descansava por mais do que breves momentos no contador de histórias.
O menino sabia que a história falava de dois meninos, um rapaz e uma rapariga, e até aí os seus sentidos estavam com o contador de histórias, mas, quando a coisa começava a complicar-se e a informação começava a jorrar descontroladamente (para um criança de oito ou dez anos), o canal quebrava-se.
Passavam-se demasiadas coisas, todas ao mesmo tempo, na praça. O carrossel, os graúdos a namorar, outros a jogar à bola, o jornal que caía dos braços do avó quando este adormecia e que, fruto do vento que por vezes se faz sentir na praça, teimava em fugir-lhe quando desesperadamente corria no seu encalço.
Hoje foi diferente e, honestamente, não há grandes razões para tal.
O contador de histórias estava, como sempre, no palanque, com a voz rouca, hirto e com as costas numa perfeita perpendicular em relação ao solo, olhando o vazio, indiferente a quem passa, a quem ouve e a quem deixa de ouvir.
Talvez por isto mesmo, talvez por ter abarcado - de uma só vez - todos os elementos que compõem esta carticata cena, o menino não desviou o seu olhar e os seus ouvidos - nem por um instante - da história do contador de histórias e, num acto que muito bem poderíamos catalogar de de fé, ouviu a história do princípio ao fim.
Então?
ResponderEliminarGet on with it!!
(caso nao saibas, tens fiéis seguidores que começam a impacientar-se)