segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte I

Acabou.

Ele morreu. Tudo tem um fim.

O alívio apodera-se do meu corpo, percorre tudo o que há em mim.

Mas eu tinha de lá ir uma última vez, tentar enterrar aquele lugar e tudo o que me fez passar. Conheço cada canto, cada banco, sei onde e a que horas faz sombra no jardim.

Cheguei. Respiro fundo antes de sair do carro: é a última vez que aqui venho, prometo a mim mesmo. Ao longe já sinto aquela sensação de desespero, de tempo perdido, o cheiro a resignação. Mas em mim cresce agora outra coisa – nova.

Antes de entrar no edifício passo pelo jardim - murado e com grades brancas ao alto, as quais se assemelham a setas espetadas no chão. O jardim é um grande quadrado rasgado por um caminho em terra em forma de cruz, dividindo assim o grande quadrado em quatro quadradinhos. Em cada um deles há um canteiro - disposto em losango - com flores. Conheço-as a todas e todas elas me conhecem.

Sempre fui infantil. Lembro-me, à medida que passo, dos jogos que fazia no jardim: ou à espera da hora da visita ou a fazer um intervalo dela.

Sentava-me nos bancos em frente aos canteiros e escolhia uma pétala de uma flor: primeiro, uma cor forte – azul; depois, uma cor fraca – vermelho; misturava com um pouco de terra e umas folhas secas; mexia com um pau velho. Eu acreditava realmente (desconfiando da bondade de tal acção e simultaneamente querendo muito acreditar) que aquilo era a poção que o libertaria. E ali ficava uns minutos, calado, a fazer figas com toda a matéria com a qual é possível fazer figas, cerrando os dentes, de olhos fechados.

Percorria calmamente, com medo, os corredores para chegar ao seu quarto. Tinha medo da - aos olhos de hoje - idiotice mais uma vez não resultar. Tinha medo que algo acontecesse e que assim  me tivesse tornado numa espécie de bruxo. Claro que nunca nada aconteceu. Foi nestes bancos que escrevi o meu primeiro poema.

Oh morte não venhas cedo que eu não quero morrer. Oh morte não venhas tarde que eu não quero sofrer.

Lembro-me de como tinha ficado bonito. Algumas letras saíram alaranjadas, uma vez que escrevi na terra com o tal pau velho das poções que ainda conservara algum do preparado na ponta.

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