quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tratado Sobre o Fim - Parte IV

A certa altura, vivia do seguro de vida de minha mãe e de parte da reforma do meu avô, já que a restante – e maior – parte se destinava ao pagamento do lar. Deixei a casa onde vivi com minha mãe, não tinha como pagar o empréstimo ao banco, e fui viver para casa dos meus avós, onde passei parte da infância. Uma casa antiga, num bairro fabril, na qual o quarto onde dormia era sempre alagado pela chuvas.

Fui coleccionando quase-amigos nos locais onde estudei, depois onde trabalhei, no próprio lar. Mas a verdade é que as pessoas evoluem na vida: ou porque se casam e vão viver para o outro lado da cidade; ou porque vão trabalhar para o estrangeiro; ou simplesmente porque eu próprio deixava de frequentar a escola, o trabalho, o lar… 

O meu avô arrastou-se assim quase 15 anos, arrastando tudo com ele. Coitado. Acredito que este seria, sem dúvida, um fardo ainda mais pesado de carregar.
  
Tenho muitos planos agora. 

Quero encontrar um trabalho que me diga algo, reencontrar velhos conhecidos, criar novas amizades, abrir os meus horizontes! Sinto um alívio tão grande agora. Sei que ele está finalmente sem dores, sem chagas. 

Começo agora a conseguir recordar-me do que ele era. Como nos dávamos bem! Ele levava-me a passear todos os dias, antes de eu ter de ir para a escola. Nunca fui ao infantário, para quê? Ele tomava conta de mim. Brincávamos, ríamos, jogávamos à bola. É assim que eu me quero recordar dele nesta nova vida.

Hoje de manhã acordei e apeteceu-me ir à praia, há quanto tempo não ia ver o mar. Em miúdo, passava férias com os meus avós na praia e era óptimo. Ao ver o mar lembro-me de quanto gosto dele. Não trouxe calções de banho, mas não resisti e fui tomar um banho de cuecas. Fiquei sentado na areia. Vim para casa e pelo caminho comprei o jornal.

Vou procurar um emprego que me realize. Ora aqui está: “Procura-se empregado para trabalhar numa livraria. Boa apresentação e com experiência. Remuneração compatível com a actividade.” Eu era capaz de trabalhar numa livraria. Fartei-me de ler livros nos bancos do jardim do lar. Eu gosto de literatura, sou afável, tenho boa apresentação. Acho que estou mesmo numa maré de sorte. Fui à entrevista. Exigiam pelo menos cinco anos de experiência no mesmo ramo ou emprego. Quando lhes disse que nunca tinha trabalhado mais do que uma semana agradeceram a minha disponibilidade. 

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