sábado, 27 de agosto de 2011

Casa de Vidro

Well
Of course I'd like to sit around and chat.
But someone's listening in.

Não admira que a casa seja de vidro.

Vidro por fora e vidro por dentro
Escondendo em cada esquina o sentimento
E a sensação de vazio.

Às vezes é mais forte do que eu
E sei perfeitamente o que se está a passar (mesmo não querendo).

E é por isso que vivo numa casa de vidro
À espera que um dia possas entrar sem deitar a dita abaixo.

Ver-te Dançar

Faz-me querer ser outro que não eu.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Horas No Colégio

(ou a terceira razão pela qual Mike Days é um génio)

mas que valente seca, pai, que me fazes passar
estou há horas no colégio, que grande sacrilégio
podia ir a pé ou de autocarro
até moramos perto, mas eu sou pequenino e a mãe não deixa decerto

espero horas a fio que me venhas buscar
os meus amigos já voltaram e eu ainda por almoçar
a barriga já dá horas, estou cheio de fome
se me viesses buscar a horas já podia estar a brincar

o refeitório é caro e a mãe cozinha bem
almoçamos depressa, mas estamos juntos, é o que interessa
espero horas a fio que me venhas buscar
os meus amigos já voltaram e eu ainda por almoçar

finalmente vejo-te chegar, corro para o carro
dou-te um beijinho: olá pai
olá filho - dizes tu com carinho.

Por Mike Days



Montra de Loja

Eu pus-me à venda
E ninguém me comprou
Passaram saldos e descontos
E ainda ninguém me levou

Por aqui já passaram várias colecções
Passaram Invernos e Verões
E ainda ninguém me levou

É pena vocês manequins não terem poder de compra
Eu vestido fico de arromba
E ainda ninguém me levou

E é numa montra de loja que vou perdendo a cor.

(e ainda ninguém me levou)

Portanto

Mais vale calar.

(e o supremo egocentrismo de se gostar daquilo que se faz)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Os Teus Sinais

ele não vai olhar a meios
consegue sempre o que quer
e se o quer são devaneios
ou até sonhos alheios
ele não vai olhar a meios
para conseguir o que quer.


o que eu tinha de menos
tu tinhas de mais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde

o que tu tinhas de menos
eu tinha de mais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde


é tão fácil dizer que não me queres voltar a ver
mas já não é tão fácil pensar
que para isso vais ter de me enterrar
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo


eu não tinha medo
e só ouvia os teus ais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde

escolheste ser infeliz
sem explicações cabais
eu fui incapaz de perceber os teus sinais
e agora já é tarde


é tão fácil dizer que não me queres voltar a ver
mas já não é tão fácil pensar
que para isso vais ter de me enterrar
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo
será que vais ter coragem para enterrar um amigo ainda vivo


ele não vai olhar a meios
consegue sempre o que quer
e se o quer são devaneios
ou até sonhos alheios
ele não vai olhar a meios
para conseguir o que quer.

domingo, 14 de agosto de 2011

Ana Caralhona

Há, sim, meu caro. Conheces o tipo de mulheres ossianescas, essas mulheres que só em sonhos se vêem? Pois bem, às vezes existem, sobre a terra, em carne e osso... e, então, são terríveis. A mulher é um tema inesgotável: por mais que a estudemos, encontramos sempre qualquer coisa de novo...

Nesse caso, é preferível não a estudar.

Isso não. Já não sei quem foi o matemático que disse que o prazer consistia em procurar a verdade e não a encontrar.

A Flor

para deixar alguém entrar
tenho de deixar sair
estranho é que não mora cá ninguém.

e quem no seu perfeito juízo
vai querer entrar
e ser esquecido por quem
só quis foi sair.

quem quis que neste peito não nascesse mais a flor.

eu dava-vos mais
se esse mais não fosse tudo o que eu sou agora.

disse-me ontem um conhecido
que já foi fiel amigo
que isto estava para mudar

quer arrendar um quarto
desde o breve parto
tem saudades de cá estar.

mas quem no seu perfeito juízo
vai querer entrar
e ser esquecido por quem
só quis foi sair.

quem quis que neste peito não nascesse mais a flor.

eu dava-vos mais
se esse mais não fosse tudo o que eu sou agora.




N.a.: 20/01/2007 - contracapa da separata de direito comercial da capa do 4.º ano.

sábado, 13 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Contador de Histórias - IX

O mar estava agitado e parecia reflectir o cinzento lamacento que ocupava o céu naquele dia. As ondas retumbavam violentamente contra as rochas e o vento uivava de acordo com o vaivém das marés. Sentia-se humidade no ar: aquela brisa molhada e salgada que por vezes nos toca a pele e nos deixa com saudades dos dias de calor e - também por isso - de felicidade.

O menino estranhou condições atmosféricas tão adversas como aquelas, tão distintas das que se faziam sentir no centro da cidade. A verdade é que o bafo denso e citadino e a frescura desconcertante da maresia estavam separados por apenas 25 minutos de caminhada.

Estes pensamentos percorreram a mente do menino por alguns momentos, muito poucos, quase como se fosse outra pessoa que não ele, mas dentro dele, a falar-lhe e reflectir em voz alta, ainda que só para ele, sobre o estado do tempo.

Quando recuperou o fôlego e se voltou a concentrar nas razões que o haviam levado até ali, o menino deu com o seu pai em cima do paredão que dividia a terra do mar, contemplando a imensidão de oceano a seus pés.

Quando se encontrava prestes a iniciar um movimento no sentido do paredão, o pai disse algo na direcção do menino que este não conseguiu decifrar e saltou para o vazio que, algumas dezenas de metros depois, terminava no oceano.

Saltou para nunca mais ser visto.

domingo, 7 de agosto de 2011

Canção da Ana

Ana,

Somos iguais.

Mas eu quero mudar o que vai por dentro e não por fora.

It Is What It Is

O que é difícil é permanecer à tona e não mergulhar na realidade. 

Todos os dias a luta é a mesma: acreditar que somos diferentes, que temos conversas diferentes, que temos amigos diferentes, que fazemos coisas diferentes, que somos pessoas diferentes e que as restantes pessoas notam essa diferença. 

É que a mediania é um lugar muito pouco confortável para se estar, porque plano, escondido e amorfo. 

Acreditar que somos únicos e diferentes, porque especiais, não é tarefa fácil e consome a maior parte das energias que uma pessoa normal é capaz de produzir.

Donde a constatação da realidade, que é como quem diz da mediania e da mera repetição, é, para as pessoas que queriam ser diferentes (ainda que por momentos ou em determinadas ocasiões ou matérias), especialmente dolorosa.  

Mas no final do dia it is what it is.

É uma questão de aceitar a realidade ou viver na ilusão. 

sábado, 6 de agosto de 2011

Contador de Histórias - Parte VIII

O pai permaneceu imóvel, tentando, sem sucesso, ancorar em sítio seguro a tormenta que trazia no peito. 

Quando voltou a ganhar consciência - que é o mesmo que dizer: quando voltou a colocar os pés naquele chão -, voltou-se para seu filho e, com um pequeno fio de voz, disse: desculpa.

O menino não ouviu, mas decifrou nos lábios de seu pai a mensagem, a qual, atendendo ao cenário então criado, lhe transmitiu um sentimento apaziguador e familiar

Pena é que tivesse sido por tão pouco tempo.

Quando se voltou novamente, o pai iniciou marcha porta fora, não olhando para nada nem para ninguém, andando obstinadamente pelas ruas, passando a avenida, passando a praça, recolhendo dos transeuntes olhares de "olha-me este doido".

Sozinho e sem entender o que se passava e o que se estava prestes a passar, o menino correu - esbaforido -  atrás do seu pai e, enquanto passou pela praça, a música que se ouvia do coreto captou, por instantes, a sua atenção. O som das bandas sempre o tinha fascinado.

À medida que se distanciava da praça, o fascínio perdia-se e a sua atenção concentrava-se em perseguir o seu pai. Na verdade, a certo ponto, já não pensava: deixava-se simplesmente levar por impulsos, daí ter estranhado quando sentiu o cheiro a maresia e areia nos sapatos.

O Relógio

meu coração como um relógio
deixou de bater
contou as horas e os minutos que levava
para te esquecer
e deixou de bater

agora quem vai querer usar
um relógio escangalhado
num pulso fino e requintado
um relógio velho e amarrotado
feito um coração escangalhado

meu coração como um relógio
de uma precisão de cristal
encontrou nos segundos um motivo
para despertar à hora habitual

e pensar que tudo isto seria normal
foi esquecer que o meu coração não é digital

agora quem vai querer usar
um relógio escangalhado
num pulso fino e requintado
um relógio velho e amarrotado
feito um coração escangalhado

relógio que não dá horas
coração que não aceita esmolas
dar corda para chegar a algum lado
e os ponteiros a apontar para o sítio errado

relógio escangalhado
só o meu relógio escangalhado.

Um Dois Três

um dois três
lá voltou a cair na esparrela
quatro cinco seis
sempre a carne da mesma vitela

um dois três
esqueceu o tempero na panela
quatro cinco seis
e voltou a cair na esparrela

se a armadilha é bem montada
ou se é tão ingénuo que não vê
pouco importa a fachada
e os conselhos que ouviu na tv

quem nos ouvir falar pensa que estamos doidos
mas a loucura não chega para me explicar tudo
e é o que fica sem resposta que vai ficando


talvez um dia chegue o dia em que tudo fará sentido 


mas nem sequer isso te toca.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Suricata

oh suricata
vigilante
perscrutante

meu coração
é uma cascata de sucata
cintilante
.