O pai estava deitado no sofá de sua casa, o único sofá da casa, agarrado à barriga, desesperando por adormecer, quando ouviu – ao longe – pancadas na porta.
Ainda naquele estado de semi-consciência, sem abrir os olhos, dando uso ao automatismo que se adquire com a vivência diária em determinado espaço (ou trajecto), o pai dirigiu-se à porta e, reconhecendo os interlocutores, convidou-os a entrar.
Eram dois senhores vestidos de preto.
Austeros e severos, utilizando um tom de voz rigoroso e uma cadência tranquila (embora empedernida), um dos homens limitou-se a dizer o seguinte:
Viemos cobrar a nossa dívida. Tem duas horas para escolher um dos seus filhos. O outro vem connosco. Caso decida falar com alguém sobre este nosso encontro, levamos os dois.
E, tal como vieram, partiram, sem acrescentar qualquer outra informação.
O pai conservava-se incrédulo, incapaz de assimilar o ultimato. Durante largos minutos, a sua mente quedou-se num vazio infinito de uma escuridão avassaladora, maior do que a sua própria pessoa.
Depois, vieram - com a raiva dos furacões - as interrogações.