quarta-feira, 18 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte III

A mesma história é assim contada todos os dias, repetidamente ao longo do dia.  

E tanto assim é que cada um dos transeuntes que passa pela praça conhece um pouco da história. Na verdade, e uma vez que passam, por regra, sempre à mesma hora, aqueles que utilizam a praça no seu dia-a-dia conhecem os mesmos pedaços da história.  

Nunca ninguém se tinha dado ao trabalho de ouvir na íntegra a história que o contador de histórias conta  todos os dias, várias vezes por dia, sucessivamente.  

Hoje foi a excepção.

Um menino, de oito ou nove anos, dez no máximo, passeia-se pela praça, todos os dias, acompanhado pelo seu avô, homem grisalho e de olhar cansado, mas de uma ternura infindável quando pousado no seu neto.

Passada a escola e os respectivos trabalhos de casa, o menino corre para o colo do seu avó, que, as mais das vezes, se encontra a dormitar, com o jornal placidamente derrubado entre as suas pernas e as pernas da cadeira de baloiço, e, acordando-o com um safanão, suplica pelo passeio.

Também ele já conhecia o seu pedaço da história, mas a sua atenção não descansava por mais do que breves momentos no contador de histórias.

O menino sabia que a história falava de dois meninos, um rapaz e uma rapariga, e até aí os seus sentidos estavam com o contador de histórias, mas, quando a coisa começava  a complicar-se e a informação começava a jorrar descontroladamente (para um criança de oito ou dez anos), o canal quebrava-se.

Passavam-se demasiadas coisas, todas ao mesmo tempo, na praça. O carrossel, os graúdos a namorar, outros a jogar à bola, o jornal que caía dos braços do avó quando este adormecia e que, fruto do vento que por vezes se faz sentir na praça, teimava em fugir-lhe quando desesperadamente corria no seu encalço.  

Hoje foi diferente e, honestamente, não há grandes razões para tal.  

O contador de histórias estava, como sempre, no palanque, com a voz rouca, hirto e com as costas numa perfeita perpendicular em relação ao solo, olhando o vazio, indiferente a quem passa, a quem ouve e a quem deixa de ouvir.  

Talvez por isto mesmo, talvez por ter abarcado - de uma só vez - todos os elementos que compõem esta carticata cena, o menino não desviou o seu olhar e os seus ouvidos - nem por um instante - da história do contador de histórias e, num acto que muito bem poderíamos catalogar de de fé, ouviu a história do princípio ao fim.  

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte II

A praça já o conhece. Quando ele se atrasa, fruto das tais demoras imputáveis aos semáforos, a praça começa a ficar impaciente, dá pela sua falta.

O seu lugar não é central, mas fica situado num local que todos (ou quase todos) que aí passam têm obrigatoriamente de percorrer - isto se não quiserem calcar os trilhos de relva que embelezam e dão cor à praça.
  
O local é sempre o mesmo e ele, nos termpos que correm, nem é obrigado a fazer um grande esforço de memória para o identificar com precisão.

Na verdade,  por força da utilização diária de uma espécie palanque e do crescente  peso que exerce quando se empoleira no dito objecto, a terra, naquele preciso local, encontra-se um pouco aterrada, afundada, compacta, circunstância altamente distintiva no meio daquele caminho irregular e acidentado. 

O arbusto perto do caminho de terra serve para guardar a velha caixa de madeira, daquelas de carregar fruta, que ele utiliza como palanque.

Todos os dias, sem excepção, num gesto automático e de precisão cibernética, ele  recolhe o palanque dos arbustos, dispõe-no no local de sempre, sobe para cima do dito cujo e conta a história.

Sempre a mesma história.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Contador de Histórias - Parte I

Ele não tem nome, porque aqueles que se dedicam a contar histórias não têm nome. Melhor, têm todos os nomes e nenhum nome. Têm os nomes dos homens e das mulheres cuja vida relatam nas suas histórias e, por isso, não têm nome.

Nunca ninguém quem saber a história do contador de histórias – o que interessa é aquilo que ele tem para contar e não aquilo que é ou foi. Aliás, se a sua história fosse assim tão interessante, o contador de histórias não o seria, seria antes um escritor ou, no máximo, um poeta.

Daí ele levantar-se todos os dias à mesma hora, no mesmo sítio. A cave do n.º 42 já não tinha segredos.

Não dorme bem nem mal, na medida em que, por um lado, a sua cama é sempre a mesma e, por outro lado, não se deita com a cabeça cheia. A história está aí, não é preciso inventar nada.

Mesmo sem luz, o que acontece amiúde, sobretudo no Inverno, por força do curto período de tempo em que a luz solar penetra pelas minúsculas janelas com grades, ele consegue vestir-se e encontrar o caminho de saída.

Por vezes, limita-se a seguir o cheiro a rua, que se distingue facilmente do bafio – com quem partilha a cave -, rumo à saída.

Invariavelmente, dia após dia, veste a mesma gabardine cinzenta e coçada, outrora bege, brilhante e de mulher.

Depois de comer o pão seco do dia anterior, tarefa essa extremamente penosa porque atentatória do bem-estar das suas gengivas, ele sai da cave à mesma hora, todo o santo dia, em direcção à praça.

No seu caminho para a praça poucos são os obstáculos que tem de ultrapassar. Em primeiro lugar, ele abandona a cave e sobe as escadas de aço que dão acesso à rua coberta de plátanos do prédio n.º 42; depois, vira à esquerda e continua pela rua de plátanos; no fim da rua, vira à esquerda pela avenida central; por fim, atravessa a rua e já está na praça.

Poderíamos afirmar, sem margem para dúvidas, o tempo exacto que demora a percorrer o caminho entre a sua cave e a praça, não fosse o facto de, pelo meio, ter de cruzar duas passadeiras com semáforos, circunstância que, dependendo da sorte, isto é, da cor ostentada pelos ditos aparelhos, faz alongar a jornada.

Um Dia

Também eu serei autor.


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Às Vezes Somos Maiores Que Nós

When your sparkle evades your soul
I'll be at your side to console
When your standing on the window ledge
I'll talk you back, back from the edge

I will turn, I will turn your tide
Be your Shepherd, I swear I'll be your guide
When you're lost in the deep and darkest place around
May my words walk you home safe and sound

When you say that I'm no good and you feel like walking
I need to make sure you know it's just the prescription talking
When your feet decide to walk you on the wayward side
Climbing up upon the stairs and down the downward slide

I will turn, I will turn your tide
Do all that I can to heal you inside
I will be the angel on your shoulder


My name is Geraldine, I'm your social worker

I see you need me
I know you do

I will turn, I will turn your tide
Do all that I can to heal you inside
I will be the angel on your shoulder


My name is Geraldine, I'm your social worker

(Glasvegas - Geraldine)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Homem Almofada

O homem almofada veio visitar
mas não liguei nada
estava entretido a brincar.

Falou-me de uma dor que estava por vir
não acreditei porque ele estava sempre a sorrir.

E agora que já sou um porco verde florescente
chamo por ele a toda a hora
embora saiba que ele nunca me vai ouvir.

(Porque) Já não sou uma criança que brinca na beira da estrada
à espera que a mãe lhe diga que é coisa errada
de se fazer.

Dentro de ti é tudo escuro
mas há uma luz ao fundo
cá fora tudo brilha
mas ninguém quer tocar no assunto.

Amigos que juravam defender-me de capa e espada
agora não são nada
eu não quero saber o quanto me vai doer
mas eu quero voltar a nascer.

Não posso esperar que o homem almofada me venha salvar desta forma tão errada de viver.

Porque já não sou uma criança que brinca na beira da estrada
à espera que a mãe lhe diga que é coisa errada
de se fazer.

Eu quero voltar a sair do teu ventre, mamã.